domingo, 23 de dezembro de 2012

"This Is Christmas" - Kutless


Neste tempo natalino é mais que comum as pessoas se voltarem mais para si mesmas, abastecendo o comércio e o próprio ventre, do que se atentarem para a verdadeira mensagem e sentido que tal comemoração nos transmite. 

A banda americana de rock Kutless, nos brinda com uma belíssima canção, que nos remonta ao verdadeiro sentido do Natal. Veja o vídeo e confira a tradução.



Este é o Natal?

Você acha que é difícil dormir até à noite, descansando pelas luzes de Natal? Poderia haver algo que você esqueceu?
Além dos arcos, e viscos, a árvore com presentes embrulhados abaixo, há mais para isso do que você tinha pensado?
Será que perdeu a razão que celebramos a cada ano?

Que é o Natal? Se nunca houve um salvador envolto em uma manjedoura. Que é o Natal sem Cristo?

Lembre-se de como a história vai, dom de Deus foi envolto em panos, sob a estrela, uma grande e noite santa.
Os pastores ouviram os anjos cantar, os homens sábios trouxeram ofertas,
Paz na terra começou em Belém
Perdemos a razão que celebramos a cada ano?

Que é o Natal? Se nunca houve um salvador envolto em uma manjedoura.
O que é o Natal? Se nunca os anjos cantaram: "Glória ao rei recém-nascido?"
O que é o Natal sem Cristo?

Não haveria "gloria in excelsis Deo! Gloria in excelsis Deo!"

O que é o Natal? Se nunca houve um salvador envolto em um manjedoura. Que é o Natal sem Cristo?
Isso é Natal:
É tudo sobre o salvador envolto em uma manjedoura.
Este é Natal, por causa de Jesus Cristo!
Este é o Natal, por causa de Cristo! Por causa de Cristo!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Posso comemorar o Natal?



Introdução
Ultimamente tem se criado uma doutrina em alguns círculos cristãos em que não se pode e nem se deve celebrar o Natal. O argumento é que, as raízes da comemoração em voga, estão numa festa pagã. Além disso, eles afirmam ainda, que não se sabe exatamente em que dia e mês nasceu Jesus, logo, não se pode celebrar o dia do seu nascimento.

Pessoalmente afirmo que, para mim, o Natal sempre teve apenas um significado, (e isto desde a época que não era crente) – o nascimento de Jesus. Após convertido, essa data passou a ter um significado ainda maior, era da data em que se comemorava o nascimento do meu Redentor, Aquele que morreu pelos meus pecados. É a data em que me recordo com mais ardor, que Deus fez-se homem; o Todo-Poderoso Criador dos céus e da terra, nasceu e habitou entre nós.

Por causa de toda polêmica atual, resolvi ensinar a igreja a respeito da celebração do Natal e desfazer polêmicas acerca da data.

1.        Quando Jesus nasceu?

Nos relatos bíblicos não encontramos nenhuma referência sobre a data do nascimento de Jesus Cristo. Naquela época os calendários eram muito confusos. Os antigos calendários romanos tinham, às vezes, semanas de quinze dias e meses de dez dias, variando de acordo com a vontade do Imperador reinante. O povo em geral não conhecia as datas de nascimento, casamento ou falecimento. Não existem registros históricos a respeito de "Festas de Aniversário" na Antiguidade.

Sobre o nascimento de Jesus sabemos muito pouco. Sabe-se que Ele nasceu antes da morte de Herodes Magno (Mt 2.1; Lc 1.5) e que faleceu na primavera de 750 da era romana, quer dizer, no ano 4 antes de Cristo. Conforme estudos o ano mais provável do nascimento de Jesus é 7 ou 6 antes da era cristã.

2.        O problema da celebração e da data

Em 274 o Imperador Aureliano proclamou o dia 25 de dezembro, como “Dies Natalis Invicti Solis” (O Dia do Nascimento do Sol Inconquistável). O Sol passou a ser venerado. Buscava-se o seu calor que ficava no espaço muito acima do frio do inverno na Terra. O início do inverno passou a ser festejado como o dia do Deus Sol.

A comemoração do Natal de Jesus Cristo surgiu de um decreto. O Papa Júlio I decretou em 350 que o nascimento de Cristo deveria ser comemorado no dia 25 de Dezembro, substituindo a veneração ao Deus Sol pela adoração ao Salvador Jesus Cristo. O nascimento de Cristo passou a ser comemorado no Solstício do Inverno em substituição às festividades do Dia do Nascimento do Sol Inconquistável. Solstício é o momento em que o Sol, durante seu movimento aparente na esfera celeste, atinge a maior declinação em latitude, medida a partir da linha do equador. Ocorre em junho (Hemisfério Sul) e dezembro (Hemisfério Norte).

Outras curiosidades estão relacionadas ao dia 25 de dezembro. O calendário que adotamos hoje é uma forma recente de contar o tempo. Foi o Papa Gregório XIII que decretou o seu uso através da Bula Papal “Inter Gravissimus” assinada em 24/02/1582. A proposta foi formulada por Aloysius Lilius, um físico napolitano, e aprovada no Concílio de Trento (1545/1563). Nesta ocasião foi corrigido um erro na contagem do tempo, desaparecendo 11 dias do calendário. A decisão fez com que ao dia 4 de outubro de 1582 sucedesse imediatamente o dia 15 de outubro do mesmo ano. Os últimos a adotarem este calendário que usamos foram os russos em 1918.

O fato interessante desta correção é que o Solstício do Inverno foi deslocado para outra data. Dependendo do ano o início do inverno se dá entre o dia 21 e o dia 23 de dezembro. A razão fundamental para a comemoração do Nascimento de Jesus no dia 25 de Dezembro se perdeu com essa mudança no calendário. Mesmo assim o Natal continuou a ser comemorado no dia 25 de dezembro.

3.        A afirmação bíblica do nascimento de Jesus Cristo

As Escrituras Sagradas relatam o nascimento de Jesus nas passagens dos Evangelhos segundo Mateus e Lucas. Vejamo-las:

Mt 2.1,2: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes, eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém. E perguntavam; Onde está o recém-nascido Rei dos Judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos para adora-lo”.

Lc 2.8-14: “Havia, naquela mesma região, pastores que viviam nos campos e guardavam o se rebanho durante as vigílias da noite. E um anjo do Senhor desceu onde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles e ficaram tomados de grande temor. O anjo, porém lhes disse: Não temas: eis aqui vos trago boas novas de grande alegria, que o será para todo o povo. É que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, que é Cristo, o Senhor. E isto vos servirá de sinal: encontrareis uma criança envolta em faixas e ditada em manjedoura. E, subitamente, apareceu com o anjo uma multidão da milícia celestial, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra ente os homens, a quem ele quer bem”.

Os relatos históricos de Mateus e Lucas apontam que, pastores, magos vindos do Oriente e anjos – todos estavam comemorando o nascimento de Jesus Cristo, aquele que nascera a fim de trazer salvação aos pecadores.

4.        O Natal e as afirmações confessionais reformadas

Há quem afirme que a fé reformada condena a celebração do Natal. Evidentemente, há entre os reformados, aqueles que se opõe não apenas ao Natal, mas a quaisquer outras celebrações. No entanto, também há quem as afirme. Em seu artigo “Não sou totalmente contra o Natal”, o Dr. Augustus Nicodemus afirma: Penso que a realização de um culto a Deus em gratidão pelo nascimento de Jesus Cristo nessa época do ano, como parte do calendário de ocasiões especiais da Cristandade, se encaixa no espírito cristão reformado.

Também o Dr. Solano Portela, no artigo “Calvino contra o Natal?” cita uma carta de João Calvino ao pastor da cidade de Berna, Jean Haller, de 2 de janeiro de 1551, onde o reformador escreveu: “Priusquam urbem unquam ingrederer, nullae prorsus erant feriae praeter diem Dominicum. Ex quo sum revocatus hoc temperamentum quae sivi, ut Christi natalis celebraretur” que traduzido para o português seria: “Antes da minha chamada à cidade, eles não tinham nenhuma festa exceto no dia do Senhor. Desde então eu tenho procurado moderação afim de que o nascimento de Cristo seja celebrado”.

Reconhecido por suas detalhadas pesquisas históricas e teológicas, o Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa, professor do Seminário TeológicoPresbiteriano Rev. José Manoel da Conceição e da Escola Superior de Teologia do Mackenzie, afirma que as cinco festas da Igreja Reformada eram: Natal, Sexta-Feira Santa, Páscoa, Assunção e Pentecostes.

A Confissão de Fé de Westminster , documento confessional adotado por grande parte dos presbiterianos do mundo, diz que “... são partes do ordinário culto de Deus, além dos juramentos religiosos; votos, jejuns solenes e ações de graças em ocasiões especiais, tudo o que, em seus vários tempos e ocasiões próprias, deve ser usado de um modo santo e religioso”. A Segunda Confissão Helvética de 1566, produzida sob supervisão de Heinrich Bullinger, discípulo de Calvino, afirma (XXIV): “Ademais, se na liberdade cristã, as igrejas celebram de modo religioso a lembrança do nascimento do Senhor, a circuncisão, a paixão, a ressurreição e Sua ascensão ao céu, bem como o envio do Espírito Santo sobre os discípulos, damos-lhes plena aprovação”. O Sínodo de Dort (1618-1619), que afirmou a ortodoxia calvinista resumida nos famosos “5 pontos”, afirmou que a Igreja Reformada deveria observar vários dias especiais do calendário cristão, inclusive o nascimento de Jesus (art. 67).

Tais afirmações de documentos confessionais reformados revelam que, no mínimo, muitos Reformados eram sim, favoráveis à celebração de datas especiais do calendário litúrgico cristão, incluindo a comemoração natalina.

5.        A razão da celebração cristã

Não é porque o mundo ocidental, principalmente, se volta para comemorar o Natal nesta época do ano que nós o fazemos. Na verdade, o nosso Natal é comemorado de uma maneira completamente diferente do mundo. Comemoramos o nascimento de Cristo todos os dias do ano – Sim, esta é a mensagem do Evangelho: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade...” (Jo 1.14). Não há um culto sequer, durante o ano, em que deixemos de louvar a Deus pela vinda de Jesus para ser o nosso Redentor.

Comemoramos o Natal com consciência de quem é Jesus e do que Ele fez por nós – Sabemos que Jesus é eterno, que “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1.1). Compreendemos que o homem Jesus é a encarnação do Filho de Deus, e que “todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). Entendemos que a vinda de Jesus ao mundo é prova do grandioso amor de Deus por nós – Comemorar o Natal é um privilégio quando lembramos que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu Seu Filho...” (Jo 3.16). Ao louvarmos a Deus pelo Natal de Jesus Cristo estamos, também, reconhecendo o que nEle, fomos feitos – “mas a todos quantos o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1.12).

Assim, o Natal não se comemora somente na 2ª quinzena de dezembro, mas durante todo o ano. Não se comemora comendo, bebendo ou comprando presentes compulsivamente. O Natal se comemora servindo a Deus, adorando, louvando ao Senhor e Salvador Jesus Cristo. Ao invés de ficarmos reclamando de que esta data virou sinônimo de consumismo, devemos resgatar o verdadeiro sentido do Natal: "Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra ente os homens, a quem ele quer bem”

Feliz Natal! Que o Senhor o (a) abençoe!



terça-feira, 4 de dezembro de 2012

João Calvino e a pregação das Escrituras



Por Franklin Ferreira

De humanista a reformador João Calvino nasceu em 10 de julho de 1509, em Noyon, na Província de Picardia (França), na fronteira dos Países Baixos. Seu pai era um advogado que trabalhou para o cônego desta cidade, e sua mãe, uma mulher muito piedosa. Foi enviado para estudar filosofia em Paris, no Collège de Montaigu, mas em 1528, após se desentender com os líderes da igreja, seu pai o enviou para estudar direito em Orléans e grego em Bourges. Em 1531, com a morte do pai, retornou a Paris para dedicar-se ao seu interesse predileto, a literatura clássica.

Em 1533, converteu-se à fé evangélica e a respeito deste fato disse: "Minha mente, que, a despeito de minha juventude, estivera por demais empedernida em tais assuntos, agora estava preparada para uma atenção séria. Por uma súbita conversão, Deus transformou-a e trouxe-a à docilidade".

No final desse ano, teve de fugir de Paris sob acusação de ser coautor de um discurso simpático aos protestantes, proferido por Nicholas Cop, o novo reitor da Universidade de Paris. Refugiou-se na casa de um amigo em Angoulême, onde começou a escrever a sua principal obra teológica. Em março de 1535, foi publicada em Basiléia a primeira edição das Institutas da Religião Cristã, que seria "uma chave para abrir o caminho para todos os filhos de Deus num entendimento bom e correto das Escrituras Sagradas".

Em 1536, ao passar por Genebra, foi coagido por Guillaume Farel a iniciar um trabalho ali. Calvino ficou chocado com a ideia  pois se sentiu despreparado para a tarefa. Ele poderia fazer mais pela igreja através de seus estudos e de seus escritos. Nesse momento, Farel trovejou a ira de Deus sobre Calvino com palavras que este jamais esqueceria – Deus amaldiçoaria o seu lazer e os seus estudos se, em tão grave emergência, ele se retirasse, recusando-se a ajudar. A primeira estada de Calvino em Genebra durou menos de dois anos. O seu primeiro catecismo e confissão de fé foram adotados, mas ele e Farel entraram em conflito com as autoridades civis acerca de questões eclesiásticas: disciplina, adesão à confissão de fé e práticas litúrgicas.

De 1538 a 1541, mudou-se para Estrasburgo, onde pastoreou a igreja de refugiados franceses. Um refugiado que visitou a igreja de Calvino fez a seguinte descrição do culto: "Todos cantam, homens e mulheres; e é um belo espetáculo. Cada um tem um livro de cânticos nas mãos... Olhando para esse pequeno grupo de exilados, chorei, não de  tristeza, mas de alegria, por ouvi-los todos cantando tão sinceramente, enquanto agradeciam a Deus por tê-los levado a um lugar onde seu nome é glorificado". Lá se casou com Idelette de Bure e travou contato com Martin Bucer, que influenciou profundamente sua teologia, principalmente acerca da doutrina do Espírito Santo e da disciplina eclesiástica.



O erudito de Genebra 

Em 1541, os genebrinos suplicaram que Calvino retornasse à sua igreja. Ele retornou a Genebra no dia 13 de setembro, viu-se nomeado pregador da antiga igreja de St. Pierre e foi "contemplado com um salário razoável, uma casa ampla e porções anuais de 12  medidas de trigo e 250 galões de vinho". Em 1548, Idelette faleceu, e Calvino nunca mais tornou a casar-se. O único filho que tiveram morreu ainda na infância. No entanto, Calvino não ficou inteiramente só. Tinha muitos amigos, inclusive em outras regiões da Europa, com os quais trocava intensa correspondência. Depois de grandes lutas, conseguiu implementar seu programa de reformas, mudando completamente toda a Genebra, tornando-a um exemplo para toda a cristandade, "a mais perfeita escola de Cristo desde os dias dos apóstolos", como o reformador escocês John Knox disse.

Em 6 de fevereiro de 1564, Calvino, muito enfermo, foi transportado para a igreja numa cadeira, pregando então com dificuldade o seu último sermão. No dia de Páscoa, 2 de abril, foi levado pela última vez à igreja. Participou da ceia e, com a voz trêmula, cantou junto com a congregação. Em 28 de abril de 1564, um mês antes de morrer, convocou os ministros de Genebra à sua casa. Tendo-os à sua volta, despediu-se: "A respeito de minha doutrina, ensinei fielmente, e Deus me deu a graça de escrever. Fiz isso do modo mais fiel possível e nunca corrompi uma só passagem das Escrituras, nem conscientemente as distorci. Quando fui tentado a requintes, resisti à tentação e sempre estudei a simplicidade. Nunca escrevi nada com ódio de alguém, mas sempre coloquei fielmente diante de mim o que julguei ser a glória de Deus". Ele faleceu em 27 de maio de 1564. Calvino foi enterrado em um cemitério comum. Devido a seu próprio pedido, não se ergueu lápide alguma sobre o lugar de sua sepultura.

A pregação como Vox Dei
Calvino definiu assim a comunidade cristã: "Onde quer que vejamos a Palavra de Deus ser sinceramente pregada e ouvida, onde vemos serem os sacramentos administrados segundo a instituição de Cristo, não se pode contestar, de modo nenhum, que ali há uma igreja de Deus"Como o Rev. Paulo Anglada demonstra, o reformador francês elaborou detalhadamente o tema da natureza da pregação como "a voz de Deus". Em seu comentário de Isaías, ele afirma que na pregação "a palavra sai da boca de Deus de tal maneira que ela sai, de igual modo, da boca de homens; pois Deus não fala abertamente do céu, mas emprega homens como seus instrumentos, a fim de que, pela agência deles, possa fazer conhecida a sua vontade".

Comentando a Epístola aos Gálatas, Calvino enfatiza a eficácia do ministério da Palavra, afirmando: visto que Deus "emprega os ministros e a pregação como seus instrumentos para este propósito, apraz-lhe atribuir a eles a obra que ele mesmo realiza, pelo poder do seu Espírito, em cooperação com os labores do homem". Para Calvino, a leitura e a meditação privadas das Escrituras não substituem o culto público, pois, "entre os muitos nobres dons com os quais Deus adornou a raça humana, um dos mais notáveis é que ele condescende em consagrar bocas e línguas de homens para o seu serviço, fazendo com que a sua própria voz seja ouvida neles". Por essa razão, argumenta Calvino, quem despreza a pregação despreza a Deus, porque ele não fala por novas revelações do céu, mas pela voz de seus ministros, a quem confiou a pregação da sua Palavra. Ao falar Deus aos homens, por meio da pregação, Calvino identifica dois benefícios: "Por um lado, ele [Deus], por meio de um teste admirável, prova a nossa obediência, quando ouvimos seus ministros exatamente como ouviríamos a ele mesmo; enquanto, por outro, ele leva em consideração a nossa fraqueza, ao dirigir-se a nós de maneira humana, por meio de intérpretes, a fim de que possa atrair-nos a si mesmo, em vez de afastar-nos por seu trovão".

A importância dada ao sermão se percebe no lugar que ele ocupa na liturgia reformada – o lugar centralIsso não significa que Calvino tenha dado importância exagerada ao pregador; significa apenas que, para ele, o sermão tem de ser a fiel interpretação da verdade revelada nas Escrituras, dirigida aos problemas do momento. Assim como Calvino cria na presença espiritual de Cristo na administração dos sacramentos, também cria na presença espiritual de Cristo na pregação, salvando os eleitos, edificando e governando sua igreja. Essa concepção sacramental da pregação é afirmada diversas vezes por Calvino nas Institutas. Por exemplo, ao combater o emprego de símbolos visíveis para representar a presença de Cristo no culto, ele afirma que é "pela verdadeira pregação do evangelho", e não por cruzes, que "Cristo é retratado como crucificado diante de nós" (I.11.7).

Citando Agostinho (IV.14.26), que se referia às palavras como sinais, Calvino entendia que na pregação "o Espírito Santo usa as palavras do pregador como ocasião para a presença de Deus em graça e em misericórdia. Neste sentido, as palavras do sermão são  comparáveis aos elementos nos sacramentos" (IV.1.6; 4.14.9-19). Por isso, ele escreveu: "A igreja de Deus será educada pela pregação autêntica de sua Palavra, e não pelas invenções dos homens [as quais são madeira, feno e palha]".  


A prioridade da pregação expositiva

Calvino escreveu: "A majestade das Escrituras merece que seus expositores façam-na evidente, que tratem-na com modéstia e reverência". Durante quase 25 anos de ministério na igreja de St. Pierre, em Genebra, seu modelo de pregação foi o mesmo, do começo ao fim, pregando através da Escritura, livro após livro, versículo após versículo. Uma das mais claras ilustrações de que a pregação sequencial havia sido uma escolha consciente da parte de Calvino foi este fato: no dia da Páscoa, em 1538, depois de pregar, ele deixou o púlpito da igreja de St. Pierre, banido pelo conselho da cidade; quando retornou, em setembro de 1541, mais de três anos depois, ele continuou a exposição no versículo seguinte.


Como John Piper demonstra, no auge de seu ministério em Genebra, Calvino pregava num livro do Novo Testamento nos domingos pela manhã e à tarde (embora pregasse nos Salmos em algumas tardes) e num livro do Antigo Testamento, nas manhãs, durante a semana. Desse modo, ele expôs a maior parte das Escrituras. Ele começou sua série de pregações expositivas no livro de Atos, em 25 de agosto de 1549 e terminou-a em março de 1554, num total de 89 sermões. Depois, ele prosseguiu para 1 e 2 Tessalonicenses (46 sermões), 1 e 2 Coríntios (186 sermões) e Efésios (48 sermões), até maio de 1558, quando passou um tempo adoentado. Na primavera de 1559, começou a Harmonia dos Evangelhos, série inacabada por conta de sua morte em maio de 1564 (65 sermões). Durante a semana, naquele período, pregou 174 sermões em Ezequiel (1552-1554), 159 sermões em Jó (1554-1555), 200 sermões em Deuteronômio (1555-1556), 353 sermões em Isaías (1556-1559), 123 sermões em Gênesis (1559-1561), 107 sermões em 1 Samuel e 87 sermões em 2 Samuel (1561-1563), e assim por diante. Os livros que ele pregou do primeiro ao último capítulo foram: Gênesis, Deuteronômio, Jó, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, Profetas Maiores e Menores, Evangelhos Sinóticos, Atos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito e Hebreus. 

Por que este compromisso com a centralidade da pregação expositiva sequencial? Piper sugere as seguintes espostas:

1. Calvino acreditava que a Escritura era a lâmpada que havia sido tirada das igrejas: "Tua Palavra, que deveria ter brilhado sobre todas as pessoas como uma lâmpada, foi retirada ou, pelo menos, suprimida de nós... E agora, ó Senhor, o que resta a um miserável como eu a não ser... suplicar-te sinceramente que não me julgues de acordo com [meus] desertos, aquele terrível abandono da tua Palavra em que vivi e do qual, na tua maravilhosa bondade, me livraste". Calvino considerou que essa contínua exposição de livros da Bíblia era a melhor maneira de superar o "terrível abandono da Palavra [de Deus]".

2. Calvino tinha aversão a quem pregava suas próprias idéias no púlpito: "Quando adentramos o púlpito, não podemos levar conosco nossos próprios sonhos e fantasias". Acreditava que, expondo as Escrituras por completo, seria forçado a lidar com o que Deus queria dizer, não somente com o que ele talvez gostaria de dizer.


3. Ele acreditava que a Palavra de Deus era, de fato, a Palavra de Deus e que toda ela era inspirada, proveitosa e fulgurante como a luz da glória de Deus: "Que os pastores ousem corajosamente todas as coisas pela Palavra de Deus... Que contenham e comandem todo poder, glória e excelência do mundo, que dêem lugar e obedeçam à divina majestade dessa Palavra. Que encarreguem o mundo todo de fazer isso, desde o maior até ao menor. Que edifiquem o corpo de Cristo. Que devastem o reino de Satanás. Que cuidem das ovelhas, matem os lobos, instruam e exortem os rebeldes. Que amarrem e libertem trovões e raios, se necessário, mas que façam tudo isso de acordo com a Palavra de Deus".

Como Piper destaca, a ênfase aqui é "a divina majestade dessa Palavra". Este sempre foi o assunto fundamental para Calvino. Como poderia expor, da melhor maneira possível, a majestade de Deus? Sua resposta foi dada com uma vida de pregação expositiva contínua. Não havia maneira melhor para manifestar a completa extensão da glória e da majestade de Deus do que difundir toda a Palavra de Deus no contexto do ministério pastoral. 


A estrutura do sermão

James Boyce escreveu: "Calvino era antes de tudo um pregador e, como pregador, via-se a si mesmo como um professor da Bíblia... Ele considerava a pregação o seu trabalho mais importante". Cerca de dois mil dos sermões de Calvino foram preservados. Expondo parágrafos e versículos, ele seguia através de um profeta, de um salmo, de um evangelho ou de uma epístola. Como Boyce descreveu: "Ele começava no primeiro versículo do livro e tratava de seções contínuas, de quatro ou cinco versículos, até que chegava ao fim e, neste ponto, dava início a outro livro". Não havia uma palavra de discordância com as Escrituras, nem uma inferência depreciativa, nem uma fuga das dificuldades, embora ele evitasse as especulações infundadas: "Visto que revelar a mente do autor é a única tarefa do intérprete, ele erra o alvo ou, pelo menos, desvia-se de seus limites quando afasta seus leitores do propósito do autor... É... presunção e quase blasfêmia distorcer o significado das Escrituras, agindo sem o devido cuidado, como se isso fosse um jogo que  estivéssemos jogando". Por isso, ele enfatizou: "O verdadeiro significado das Escrituras é aquele que é natural e óbvio". Ele renunciou tudo que pudesse trazer-lhe notoriedade, colocando toda sua formação a serviço da fé cristã.

Não é possível descobrir nos sermões de Calvino o arranjo homilético segundo as normas atuais de pregação. Em muitos casos, Calvino tomava o texto, analisava-o e aplicava-o sucessivamente durante cerca de uma hora, o que conferia à mensagem um tom livre e informal. Como Steven Lawson nota, a introdução do sermão era curta, sucinta e direta, consistindo de um breve comentário que lembrava a congregação o que a passagem anterior dizia, colocava os próximos versículos no contexto ou mostrava o argumento central da passagem pregada, relacionando-a ao contexto da estrutura do livro que estava sendo exposto.

Por isso, pode-se perceber que há uma ordem e um arranjo lógico e um desenvolvimento progressivo nas suas mensagens. Seus sermões não são exemplos de beleza e estilo por duas razões: ele pregava sem esboço, pois tinha de pregar quase diariamente; e tinha um profundo respeito para com a Palavra de Deus, a ponto de pensar que um estilo excessivamente elaborado poderia prejudicar a clareza da mensagem.

Neste caso, a pregação sem anotações era uma reação ao costume daquela época, quando os sermões eram lidos e se tornavam frios, sem entusiasmo e sem energia. Por outro lado, de acordo com Lawson, ainda que pregasse sem anotações, seus sermões testemunham um uso impressionante de frases curtas compostas de sujeito, verbo e predicado e fáceis de assimilar, palavras simples e expressões coloquiais, figuras de linguagem, perguntas retóricas, paráfrases e repetições, ironia mordaz e linguagem instigante.

Carl G. Kromminga afirmou que Calvino viveu e trabalhou como se estivesse na presença de Deus. Por isso, o empenho de Calvino era trazer os homens à presença de Deus.

Isto é ainda mais evidente em seus sermões, que eram sempre cruciais e decisivos. T. H. L. Parker escreveu: "A pregação expositiva consiste na explanação e aplicação de uma passagem das Escrituras. Sem explanação, ela não é expositiva; sem aplicação, ela não é pregação". Por isso, Calvino escreveu que os ouvintes do sermão deveriam cultivar um "desejo de obedecer a Deus de forma completa e incondicional". E acrescentou: "Não assistimos à pregação meramente para ouvir o que não sabemos, mas para sermos encorajados a fazer nossa obrigação".


Por isso, seus sermões partiam das Escrituras para a situação concreta e presente em Genebra, incluindo exortação pastoral, exame pessoal, repreensão amorosa, confrontação, usando muitas vezes pronomes na primeira pessoa do plural.

Nem sempre Calvino usou ilustrações, e, quando as usava, elas eram raramente de fora da Escritura. No entanto, ele estabelecia comparações com o quadro da vida diária para tornar bem accessível ao seu ouvinte a mensagem da Palavra de Deus. Kromminga aponta as metáforas, as exclamações e outros recursos da oratória que contribuíram para tornar efetiva a sua mensagem. E, na conclusão de cada sermão, ele fazia primeiramente um resumo da verdade que explicara num parágrafo curto; depois, instava de forma direta seus ouvintes a que se submetessem ao Senhor, em arrependimento, obediência e humildade. Finalmente, ele concluía com uma oração, confiando seu rebanho a Deus.

Precisa ser ressaltado que Calvino acreditava que Paulo havia providenciado um modelo para o ministério da Palavra, quando falou sobre como ele, Paulo, não cessava de admoestar tanto "publicamente" quanto de "casa em casa". Por ter uma verdadeira preocupação pastoral por aqueles para quem estava pregando, Calvino procurou visitá-los em seus lares. "O que quer que os outros pensem", Calvino escreveu, "não julgaremos o nosso ofício como algo que possui limites tão estreitos, que, terminado o sermão, possamos descansar achando que concluímos a nossa tarefa. Aqueles cujo sangue será requerido de nós, se os perdermos por causa de nossa preguiça, devem receber cuidado mais íntimo e mais vigilante". Portanto, a pregação requer ser suplementada com uma entrevista pastoral. "Não é suficiente que, do púlpito, um pastor ensine todas as pessoas conjuntamente, pois ele não acrescenta instrução particular de acordo com a necessidade e as circunstâncias específicas de cada caso". Calvino insistiu que o pastor precisa ser um pai para cada membro da congregação.


O papel do pregador
O centro da atenção de Calvino era a vontade de Deus, era a revelação da face de Deus e o empenho em trazer o ouvinte à presença do Senhor. Ou na pregação da mais profunda doutrina, ou em algum tema ligado à vida prática, Calvino chamava continuamente os seus ouvintes à face de Deus. Em 1537, aos 29 anos, num de seus primeiros livros, Breve Instrução Cristã, ele escreveu: 

"Como o Senhor desejou que tanto a Sua Palavra como as Suas ordenanças fossem dispensadas ou administradas por meio do ministério de homens, é necessário que haja pastores ordenados nas igrejas, para ensinarem ao povo a sã doutrina, pública e privadamente; administrarem as ordenanças e darem a todos o bom exemplo de uma vida pura e santa... Lembremo-nos, contudo, que a autoridade que as Escrituras atribuem aos pastores está plenamente contida nos limites do ministério da Palavra, pois o fato é que Cristo não deu esta autoridade a homens, e sim à Palavra da qual Ele faz esses homens servos.

Portanto, que os ministros da Palavra se disponham a fazer todas as coisas por meio dessa Palavra que eles foram designados a apresentar.

Que eles façam com que todos os poderes, todas as celebridades e todas as pessoas de alta posição no mundo se humilhem, a fim de obedecerem à majestade dessa Palavra.

Por meio dessa Palavra, que eles deem ordens a todo o mundo, do maior ao menor; que edifiquem a casa de Cristo, ponham abaixo o reino de Satanás, pastoreiem as ovelhas, matem os lobos, instruam e encorajem os que se deixam ensinar; acusem, repreendam e convençam os rebeldes dos seus pecados – mas tudo pela Palavra de Deus.


Se alguma vez eles se apartarem dessa Palavra, para seguirem as fantasias e invenções da sua própria cabeça, daí em diante não devem ser recebidos como pastores; ao contrário, são lobos perniciosos que devem ser postos fora! Pois Cristo estabeleceu que não devemos dar ouvidos a ninguém, exceto àqueles que nos ensinam o que extraíram de Sua Palavra.

Não será disso que necessitamos com urgência hoje? Porventura, será que não precisamos hoje de uma revitalização da mensagem ao estilo de Calvino, de modo a colocar a comunidade cristã face a face com Deus?"
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O Rev. Franklin Ferreira é ministro da Convenção Batista Brasileira, Bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologiada Universidade Presbiteriana Mackenzie e Mestre em Teologia pelo SeminárioTeológico Batista do Sul do Brasil. É diretor e professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos, São Paulo, e consultor acadêmico de Edições Vida Nova. Autor dos livros Teologia Cristã e Teologia Sistemática (este em coautoria com Alan Myatt), publicados por Edições Vida Nova, e Gigantes da Fé e Agostinho de A a Z.

Fonte: Bereianos com grifos e alterações minhas.
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